Não é sem motivo que Deus, logo após libertar o povo da escravidão no
Egito, os conduziu para o deserto. A passagem pelo deserto era
necessária para ajudá-los a deixar para trás a mentalidade da escravidão
e a compreender a nova liberdade que Deus lhes estava oferecendo.
Quando damos o nosso sim a Deus, ele sempre nos conduz ao deserto.
O nosso deserto não é igual ao das areias do Neguev ou do Saara.
Nosso deserto é o lugar onde somos levados a refletir sobre nossas
ilusões, as expectativas infantis que nos mantêm alienados, inclusive de
pessoas que amamos; os medos que mascaramos ou sublimamos em nossa
busca frenética por realização e entretenimento. No deserto, não temos
um caminho claro e seguro, nenhuma distração, nada que nos excite. Nele,
o futuro é incerto, nos vemos vulneráveis e fragilizados, e
experimentamos a força das trevas interiores do medo.
Por outro lado, o deserto é o lugar do encontro com Deus, da rendição
do orgulho e da ilusão de sermos senhores do nosso destino. É o lugar
da companhia divina, do silêncio diante de Deus, onde a quietude nos
ajuda a reconhecer a presença dele. O silêncio que nos torna mais
atenciosos à voz de Deus. Para sermos livres, precisamos nos afastar,
por um tempo, do mundo dos homens para entrarmos, a sós, no mundo de
Deus. Um tempo no qual as paixões, tensões, pressa, vão, lentamente,
cedendo espaço para percebermos a realidade à luz da eternidade e
restabelecermos o valor correto das coisas. No deserto, reduzimos nossas
necessidades àquilo que é essencial.
A enfermeira americana Bronnie Ware escreveu um livro sobre os “cinco
maiores arrependimentos ou lamentos de pacientes terminais”. Depois de
acompanhar por vários anos estes pacientes, ela listou aquilo que eles
gostariam de ter feito e não fizeram, como: ter mais tempo para os
amigos e não ter trabalhado tanto. O deserto deles trouxe outra dimensão
de suas reais necessidades.
Na solidão do deserto, descobrimos a suficiência da graça de Deus.
Teresa de Ávila (1515–1582) descreveu num poema sua experiência no
deserto:
Nada te perturbe,
Nada te espante.
Tudo passa.
Deus não muda.
A paciência tudo alcança.
Quem tem a Deus,
Nada lhe falta.
Só Deus basta.
Nossa necessidade primeira é Deus. De tudo o que aprendemos no
deserto, a lição mais importante é que aquilo de que mais necessitamos
encontramos na comunhão com Deus. A experiência do deserto nos conduz ao
autoesvaziamento, ao desapego dos ídolos que nos oferecem a falsa
segurança, e à completa submissão a Deus e aos seus caminhos. Aprendemos
a ver a vida desde a perspectiva da eternidade, o que nos ajuda a
colocar em ordem nossos valores.
A verdadeira liberdade nasce do deserto. Foi no deserto que Jesus
reafirmou a identidade dele e seguiu livre para realizar a missão dele
em obediência ao Pai. Não precisou usar nenhum artifício para se
autopromover. Foi livre para fazer o que tinha de fazer, assumir a cruz
e, no fim, morrer. O deserto nos liberta dos falsos deuses, das mentiras
e ilusões que nos fazem pessoas controladoras e manipuladoras. Rompe
com a falsa sensação de que temos controle sobre o nosso destino. O
deserto nos torna pessoas mais verdadeiras, livres, e mais conscientes
de nossa total dependência de Deus.
Fotos: Internet
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